Desde a década de 60 e do movimento hippie, muitos pesquisadores se questionam se as drogas psicodélicas podem trazer algum benefício para a saúde mental.
Contudo, devido à guerra às drogas e a estigmatização que tais substâncias sofreram, durante muito tempo foi difícil conseguir permissão para realizar estudos com elas até recentemente.
Atualmente, no entanto, há o renascimento dos estudos utilizando tais substâncias, em pesquisas feitas com pacientes com câncer terminal e pessoas diagnosticadas com transtorno de estresse pós-traumático.
Nos Estados Unidos, a Multidisciplinary Association for Psychedelic Studies (MAPS), “Associação Multidisciplinar de Estudos Psicodélicos” em tradução livre, é uma organização não governamental que está perto de conseguir aprovação do uso de MDMA (popularmente conhecida como “ecstasy”) para o tratamento de estresse pós-traumático.
A mesma organização também conseguiu fazer pesquisas do Brasil, com a esperança de conseguir aprovação da Anvisa para regulamentar o uso da substância aqui também.
O que são drogas psicodélicas?
As drogas psicodélicas são drogas que alteram os sentidos, a percepção e a consciência, provocando alucinações. São chamadas também de psicotomiméticos, pois mimetizam (imitam) efeitos de estados psicóticos.
É o caso do dietilamida do ácido lisérgico (popularmente conhecido com LSD), MDMA (conhecida como ecstasy), a psilocibina (substância ativa dos cogumelos alucinógenos), a ketamina, a ayahuasca, entre outras.
Grande parte dessas drogas atuam no sistema serotoninérgico, ou seja, tem influência na maneira que o cérebro processa a serotonina, um dos neurotransmissores mais importantes no tratamento de diversos transtornos mentais.
De todos os medicamentos psiquiátricos usados atualmente, grande parte deles mexe com a serotonina, ajudando a aliviar sintomas de transtornos de humor, transtornos de ansiedade, entre outros.
Sendo assim, é pertinente acreditar que as drogas alucinógenas poderiam trazer alguma contribuição para o tratamento de diversos transtornos mentais, mas para isso são necessárias inúmeras pesquisas que comprovem sua eficácia e segurança ou refutem tal hipótese.
Por que foram proibidas?
Muitas das drogas psicodélicas passaram a ser usadas como drogas recreativas durante os anos 60, em conjunto com o movimento hippie e a contracultura. Por conta deste uso, o então presidente dos Estados Unidos declarou uma guerra às drogas, como uma forma de represália aos movimentos de contracultura do momento. Grande parte dos países ocidentais seguiram o exemplo dos Estados Unidos e proibiram tais drogas também.
Isso acabou trazendo muito mais problemas, pois a proibição fez com que o uso em pesquisas e possíveis tratamentos fosse descontinuado, enquanto o uso recreativo ilegal continuou crescendo, o que fez com que as estatísticas de malefícios das drogas ficassem muito mais altas.
Além disso, a ilegalidade de tais substâncias fez com que sua produção não fosse regulamentada, ou seja, as drogas seriam produzidas de “qualquer jeito”, misturando uma série de impurezas, e distribuídas em doses completamente inadequadas, o que pioraria os efeitos prejudiciais das substâncias.
Desta forma, foi possível manter o discurso de que tais drogas são muito prejudiciais e precisam continuar ilegais. Contudo, atualmente, pesquisas mostram que isso pode não ser bem verdade…
O que dizem os estudos?
Os estudos antigos, publicados antes da proibição das substâncias, bem como aqueles que foram publicados nos anos seguintes, têm algumas limitações na metodologia que impedem que tais estudos sejam conclusivos.
Isso porque grande parte deles não puderam ser replicados em amostras grandes, fazendo com que os resultados obtidos, mesmo que positivos, não pudessem ser generalizados.
Contudo, atualmente, há um grande interesse em estudar tais drogas novamente, e muitos pesquisadores estão conseguindo acesso a essas substâncias para desenvolver seus estudos. O processo é bastante burocrático e demorado, mas os resultados são animadores e, desta vez, podem ser mais confiáveis.
Uma das drogas mais testadas atualmente é o MDMA, que é classificada mais como um “empatógeno” do que como substância alucinógena. Isso porque seus efeitos são experiências de “empatia” aumentada, sensação de conexão profunda com o universo e com as outras pessoas, entre outros.
O MDMA é uma das drogas mais estudadas por ser mais leve (em sua forma pura) e ter menos tempo de duração dos efeitos do que o LSD, por exemplo. O que grande parte dos resultados indica é que o MDMA consegue reduzir significativamente os sintomas do estresse pós-traumático quando usada para auxiliar na psicoterapia.
Em pacientes com câncer, o tratamento de sintomas de ansiedade e depressão associadas à enfermidade pode ser bastante difícil, mas estudos mostram que a psilocibina pode mudar este quadro, trazendo uma melhora nestes sintomas até mesmo em casos terminais.
Outros estudos são feitos para ver a eficácia destas substâncias, além da ketamina e da ayahuasca, em condições como dependência química, transtornos de ansiedade e até mesmo transtornos de personalidade. Em grande parte dos estudos associando drogas psicodélicas e psicoterapia, os resultados são promissores.
Isso não quer dizer que se trata de um uso sem riscos. Toda substância é potencialmente prejudicial, e portanto, seu uso nessas pesquisas é extremamente controlado — ao contrário do que ocorre com o uso recreativo.
Em primeiro lugar, as substâncias usadas nas pesquisas são as mais puras possíveis, evitando a contaminação de outros componentes (o que ocorre frequentemente nas substâncias produzidas e comercializadas ilegalmente). Além disso, as doses são controladas, e a pessoa não pode simplesmente tomar a droga o horário que quiser, na quantidade que quiser.
Isso resulta em uma redução significativa de efeitos colaterais e possíveis prejuízos causados pelas drogas. Ou seja, em um ambiente controlado, com doses adequadas, tais substâncias se mostram relativamente seguras para o consumo humano.
Entretanto, nem tudo são flores e, como em qualquer medicamento, há algumas contraindicações. Como grande parte destas drogas afetam o sistema serotoninérgico, elas não devem ser utilizadas por pessoas que já fazem algum tipo de tratamento com um medicamento que mexe na serotonina, como os antidepressivos inibidores da recaptação de serotonina (ISRS), muito frequentes no tratamento de transtornos de humor e ansiedade.
Ou seja, esses medicamentos e essas substâncias podem sofrer uma interação medicamentosa cujos efeitos podem ser bastante prejudiciais. Portanto, é importante estar atento a isso sempre que for tomar algum medicamento.
Como é feita a terapia psicodélica?
A terapia psicodélica é feita de forma bastante controlada, de maneira bem diferente de tomar um remédio todo dia. Na realidade, trata-se de uma terapia muito parecida com a psicoterapia normal, na qual o paciente fala sobre seus anseios ao terapeuta e ele lhe ajuda a lidar com essas emoções e dificuldades. Contudo, no caso da terapia psicodélica, algumas sessões são separadas para o uso da droga.
Antes de usar a droga, o paciente passa por uma anamnese, para que o terapeuta colete dados sobre o paciente, sua queixa, sua história de vida, entre outros. Depois de mais algumas sessões de terapia normal, é feita uma sessão na qual o paciente toma uma dose do psicodélico. O terapeuta deve ficar ao lado do paciente o tempo inteiro, ou seja, a sessão pode durar horas.
Durante este tempo, o paciente é encorajado a “viajar” e expressar o que sente. Grande parte dos traumas e problemas que lhe incomodam podem aparecer na forma de pensamentos ou até mesmo de alucinações, permitindo que o paciente tenha um contato mais profundo consigo mesmo e com seus sentimentos.
Depois desta sessão, são marcadas mais sessões baseadas apenas em conversas, nas quais são discutidos os conteúdos que surgiram durante a “viagem” provocada pela droga. É possível procurar o significado de certas alucinações, por exemplo, que podem estar simbolizando conflitos não conscientes, permitindo uma maior compreensão da experiência vivida.
Além disso, as drogas psicodélicas costumam provocar sentimentos de conexão maior com o mundo e com as outras pessoas, empatia aumentada, euforia, sensações ligadas a encontros “místicos” e ao sentimento de “amor”, que muitas vezes podem trazer ao paciente uma ressignificação de sua vida, mudando a maneira que vê o mundo, as experiências e os acontecimentos ao seu redor, entre outros. Essa ressignificação é, muitas vezes, um grande marco na terapia, que ajuda os pacientes a ter uma melhor qualidade de vida.
Portanto, seja pelos efeitos imediatos que provocam essa ressignificação, ou pela exploração da própria psique que a droga pode proporcionar, existem várias evidências que a terapia psicodélica pode auxiliar muitos pacientes.
Atualmente, ainda não existe uma previsão de quando estas substâncias podem ser liberadas para tratamentos no Brasil, portanto, seu uso permanece ilegal. Contudo, a MAPS continua realizando estudos nos Estados Unidos e planeja conseguir aprovação do Food and Drug Administration (como se fosse a Anvisa estadunidense) para o tratamento de TEPT com MDMA até 2023.
Embora sejam drogas ilegais, estudos recentes mostram que os psicodélicos podem ter aplicabilidade na psiquiatria. Com mais estudos, é possível acreditar que está se abrindo um caminho para a regulamentação do uso dessas substâncias em contextos terapêuticos, o que pode revolucionar o campo da saúde mental.
Contudo, tais substâncias ainda são ilegais e não existem evidências de que podem trazer efeitos terapêuticos se usadas de forma recreativa. Por isso, se você acredita estar precisando de ajuda, não hesite em contatar um psiquiatra de confiança!
Referências
https://www.cambridge.org/core/journals/the-british-journal-of-psychiatry/article/can-psychedelics-have-a-role-in-psychiatry-once-again/D2BC3E2253F89E684DF0F587AB0D3E10
https://maps.org/
https://www.ufrgs.br/farmacologica/2019/05/13/mdma-de-vila-a-mocinha/
https://super.abril.com.br/saude/terapia-psicodelica/
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