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Autossabotagem nos transtornos mentais: como acontece?

Não é raro que pessoas com transtornos mentais acabem se autossabotando com frequência. Seja se descuidando com o tratamento, contrariando orientações dos profissionais da saúde mental, ou até mesmo sabotando os próprios relacionamentos, carreira e estudos. A autossabotagem, que já é uma realidade em pessoas que não têm nenhum diagnóstico, pode ter consequências ainda piores nas pessoas que lidam com algum transtorno.

De acordo com pesquisas publicadas no Journal of Clinical Psychiatry, até 63% dos pacientes psiquiátricos já fizeram algum tipo de autossabotagem, especialmente no que diz respeito aos seus próprios tratamentos. Entenda melhor sobre a autossabotagem, suas causas e como lidar com ela:

O que é autossabotagem?

A palavra sabotagem pode ser definida como a realização de esforços para prejudicar propositalmente o funcionamento ou andamento de alguma situação. Já a autossabotagem seria a sabotagem feita consigo mesmo, ou seja, o próprio indivíduo toma decisões e realiza ações que irão prejudicá-lo em seus desejos e objetivos.

Contudo, quando se trata da autossabotagem, frequentemente a pessoa não percebe estar se sabotando, o que a leva a crer que ela é incapaz de realizar seus desejos e superar seus próprios desafios. Na realidade, não é que a pessoa é incapaz, mas ela se sabota de maneira não consciente para não atingir seus objetivos, uma vez que conquistá-los requer uma responsabilidade que, talvez, a pessoa ainda não esteja preparada para ter.

Por que as pessoas se autossabotam?

Os motivos que levam uma pessoa a se autossabotar são os mais variáveis possíveis. Desde medo das consequências de seguir em frente com seus planos até modos de agir cristalizados, a autossabotagem está presente na vida de várias pessoas e compreender sua causa é muito importante para conseguir combatê-la. Dentre as principais causas da autossabotagem estão:

Padrões de comportamento aprendidos da infância

Os comportamentos que aprendemos na infância frequentemente nos acompanham até a vida adulta. Dependendo do ambiente em que crescemos, os comportamentos que aprendemos podem ser adaptativos em um contexto e em outros não. O que isso quer dizer?

Uma pessoa que cresce em uma casa na qual se sente negligenciada, por exemplo, pode desenvolver um meio de chamar a atenção que não é adequado para outras situações. Uma criança cujos pais não a ouvem pode aprender que só será ouvida se gritar, e levar esse comportamento como uma regra para todos os relacionamentos no futuro, nos quais gritar não é necessário e se torna extremamente prejudicial.

Dinâmicas de relacionamentos passados

Da mesma forma que cristalizamos alguns comportamentos da infância, também cristalizamos alguns comportamentos que exibidos durante nossos relacionamentos, sejam eles amorosos ou não.

Caso você tenha tido uma amizade tóxica, por exemplo, é possível que você tenha aprendido a se defender evitando falar de seus sentimentos ou mentindo para agradar a pessoa, por exemplo. Contudo, em outras relações, esses tipos de comportamentos podem ser prejudiciais, ajudando a sabotar esses novos relacionamentos.

Medo de falhar

Conquistar seus próprios objetivos às vezes acaba aumentando a responsabilidade que uma pessoa tem diante de certas situações. O medo de falhar com essas responsabilidades pode ser uma motivação para sabotar essa caminhada em direção ao objetivo.

Para ilustrar essa situação, podemos pensar em uma pessoa que deseja abrir uma empresa. Ela pode fazer um plano de negócios para que a empresa prospere, mas não seguir exatamente estes planos porque, se a empresa prosperar, ela vai precisar traçar novos planos de crescimento, contratar mais pessoas, lidar com uma empresa e uma responsabilidade cada vez maiores.

Essa pessoa pode nem ter consciência do medo de falhar com essas novas responsabilidades, e por isso não compreende porquê se autossabota deste jeito, mas continua prejudicando sua própria caminhada deliberadamente.

Não se trata de não querer ter responsabilidade pelas próprias escolhas ou uma questão de imaturidade — mesmo pessoas maduras podem ter essa dificuldade vez ou outra, e não cabe a ninguém julgar os motivos pelos quais alguém se autossabota.

Medo de mudanças

Às vezes, conseguir alcançar seus próprios objetivos é capaz de trazer mudanças que a pessoa pode não estar preparada para lidar. Mesmo que essas mudanças sejam para melhor, elas ainda podem ser trabalhosas e assustadoras ou até mesmo imprevisíveis, o que faz com que muitas pessoas tenham bastante dificuldade em enfrentar mudanças. A autossabotagem, neste sentido, serve para ajudar a pessoa a manter as coisas como elas estão, pois às vezes a estabilidade pode parecer mais confortável do que a mudança, seja ela positiva ou não.

Tipos de autossabotagem

As pessoas podem se autossabotar de várias maneiras. Alguns tipos mais comuns de autossabotagem são:

Procrastinação

A procrastinação nada mais é do que o ato de adiar tarefas importantes o máximo possível. Embora seja muito confundida com “preguiça”, a procrastinação na realidade tem origem em uma falta de regulação emocional. Em geral, ao procrastinar, estamos nos protegendo do possível mal-estar que aquela ação pode nos causar.

Uma pessoa que não gosta de lavar a louça, por exemplo, pode olhar a pia lotada de louças e se sentir extremamente mal, então vai fazer alguma outra coisa que seja divertida e traga bons sentimentos, como assistir uma série, para conseguir melhorar seu humor e depois tentar lavar a louça. Contudo, infelizmente, essa tentativa de autorregulação emocional não é muito efetiva.

A procrastinação não ocorre apenas em relação a tarefas “chatas”. Ela pode ocorrer também em relação a coisas que a própria pessoa gosta e se importa bastante. Por exemplo, uma pessoa que ama música deseja aprender a tocar violão. Ela compra o violão e começa treinar algumas horas por dia. No entanto, chega um dia em que ela começa a procrastinar por medo de continuar cometendo erros ou perceber que não está evoluindo. Pode ser que ela não saiba disso de maneira consciente, mas é uma motivação para deixar de fazer aquilo que ela tanta deseja.

Uso de álcool e drogas como “automedicação”

Quem nunca ouviu falar em tomar uma cerveja para relaxar? Pois bem, é nesse sentido que o álcool (e outras drogas) é usado como forma de “automedicação”. A pessoa não está tomando a cerveja porque aprecia seu sabor, mas sim porque acredita ter um benefício a mais ali.

Isso é prejudicial porque pode levar a quadros de dependência química ou psicológica, além de propiciar o uso abusivo, o que pode causar inúmeros problemas de saúde. Por isso, utilizar substâncias como uma maneira de atingir algum benefício pode ser considerada uma forma de autossabotagem.

Negação de problemas

Reconhecer que temos algum problema nem sempre é fácil, mas ter consciência de que ele existe e mesmo assim negá-lo é extremamente prejudicial. Isso porque só é possível buscar ajuda e evoluir quando aceitamos que o problema existe.

Uma pessoa com uma depressão leve, por exemplo, pode continuar negando seus sintomas, dizendo que foi só um dia ruim, até que esse dia se torna uma semana, que se tornam meses e até mesmo anos… E a pessoa continua negando o problema e não vai buscar ajuda.

Este é um tipo de autossabotagem bem comum em nossa sociedade, na qual ter um transtorno mental é extremamente mal visto. O preconceito contra pessoas com transtornos mentais, chamado “psicofobia”, é muito prevalente no Brasil, tendo em vista que o transtorno mental é frequentemente associado a “loucura”, e ninguém quer ser visto como louco.

Negligenciar tratamentos

Os tratamentos dos transtornos mentais, ou até mesmo de outras doenças físicas, são de extrema importância para que a pessoa consiga se recuperar e ter uma boa qualidade de vida. Contudo, uma das consequências dessa melhora da qualidade de vida é um aumento da responsabilidade, tendo em vista que agora os sintomas do transtorno ou da doença não devem mais interferir tanto no funcionamento da pessoa. Por conta disso, é comum que pacientes acabem negligenciando o tratamento, deixando de tomar seus remédios ou tomando-os de forma inadequada, por exemplo.

Também é comum, no caso de transtornos mentais, a pessoa começar o tratamento e, quando percebe seus efeitos, diz que está bem e acredita que não precisa continuar com o tratamento. Contudo, a pessoa está bem justamente por conta do tratamento que tem feito, e descontinuá-lo abruptamente é um grande “tiro no próprio pé”.

Como evitar a autossabotagem?

Sabendo agora sobre o porquê e como nos autossabotamos, fica a questão: é possível evitar a autossabotagem? E a resposta é sim! É possível trabalhar consigo mesmo para evitar esse padrão de comportamento tão prejudicial. Aqui vão algumas dicas:

Identificar comportamentos de autossabotagem

Parece óbvio, mas nem sempre é. Identificar a autossabotagem é o primeiro passo para conseguir lidar com ela. Perceber quais são os comportamentos que estão te prejudicando é de extrema importância para compreender porquê seus planos e objetivos nunca dão certo.

Você costuma procrastinar? Ou costuma brigar com as pessoas para ver até onde elas aguentam antes de desistir de você? Ou, quem sabe, você se enche de compromissos para evitar lidar com seus relacionamentos e seus problemas? Todos esses são exemplos de comportamentos de autossabotagem que as pessoas praticam no dia-a-dia, e ainda tem muito mais.

Busque compreender o que você faz e porquê você faz, assim, você conseguirá entender o que te prejudica e o que, de fato, te ajuda.

Identificar quando a autossabotagem surge

Às vezes você pode até identificar um comportamento prejudicial, mas ainda não entendeu qual o padrão que faz com que essa autossabotagem surja. Anotar os momentos nos quais esses comportamentos se manifestam é uma boa ideia para conseguir identificar isso.

Alguns dos gatilhos frequente para comportamentos de autossabotagem são medo, tédio, falta de autoconfiança, quando as coisas estão indo tão bem que você não acredita, entre outros.

Autoconhecimento

Nem sempre nos autossabotamos para alcançar coisas que queremos. Vez ou outra, nos autossabotamos para nos safar de coisas que não queremos realizar, mas que achamos que devemos, seja por pressão social, por idealização, entre outros. Por isso, ter autoconhecimento é muito importante para compreender o que queremos, onde queremos chegar, como podemos chegar lá, e descartar aquilo que não desejamos.

Uma mulher que não quer ser mãe, por exemplo, pode acreditar que deseja ser mãe por conta da pressão social. Com isso, ela pode conversar com o parceiro sobre tentar engravidar, e os dois podem tentar, mas ela acaba, de maneira não consciente, sempre fazendo alguma coisa que prejudique o processo, como, por exemplo, esquecer de marcar no calendário o dia da ovulação (que há maiores chances de engravidar), arranjar desculpas para evitar ter relações sexuais, etc.

Com o autoconhecimento, é possível que essa mulher admita para si mesma que não deseja realmente ter um filho e possa ter essa conversa com o parceiro. Já, caso ela realmente queira, pode descobrir porquê está sempre sabotando suas chances, como por exemplo o medo da responsabilidade de criar um filho, o medo da nova identidade “mãe”, entre outros.

Psicoterapia

Não existe remédio para autossabotagem, mas a psicoterapia é um tratamento que pode ajudar muito nestes casos. Primeiro porque ela ajuda no autoconhecimento, mas também porque certas abordagens, como a terapia cognitivo-comportamental, podem ajudar a identificar e romper padrões de pensamento e comportamento que não são funcionais, ou seja, as autossabotagens.

Junto com um terapeuta, é possível discutir como a autossabotagem surge, desenvolver estratégias para combater esses comportamentos, bem como resgatar a autoconfiança e o autoconhecimento necessário para não mais precisar se autossabotar.

Cumprir o tratamento adequadamente

Pouca gente gosta de tomar vários remédios todos os dias, mas fazer o tratamento de maneira adequada é extremamente importante por dois motivos. O primeiro é uma melhora geral no bem-estar, mas em segundo lugar o tratamento de transtornos psiquiátricos pode ajudar a resolver os motivos que levam uma pessoa a se autossabotar.

Com o tratamento adequado, uma pessoa pode recuperar sua autoconfiança, autoestima, ter energia e disposição para encarar os desafios do dia-a-dia, conseguir manter-se focada em seus objetivos, entre outros. Desta forma, evita-se a autossabotagem porque os motivos para que ela surja não estão mais lá!

Se você acredita se autossabotar com bastante frequência e sente que isso está atrapalhando muito sua vida, não se esqueça de procurar um profissional da saúde mental de confiança para discutir estratégias e tratamentos!

Referências

https://hospitalsantamonica.com.br/autossabotagem-e-drogas/ 

https://themighty.com/2018/03/bpd-borderline-personality-disorder-self-sabotage/ 

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2644476/ 

https://www.healthline.com/health/self-sabotage 

https://medium.com/invisible-illness/self-sabotage-and-mental-illness-ba302f72ece1 

https://www.psychologytoday.com/us/basics/self-sabotage 

https://www.additudemag.com/self-defeating-behavior-adhd/



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